sábado, 2 de outubro de 2021

dois.dez.vinte e um

 Tentei inscrever o conto das flores na RevistaRia, para a edição Novas Caras Novas Letras. Eu sabia que possivelmente não seria selecionado porque ano passado já publicaram meu conto Sobre Os Trilhos. Mas esse homem chamado Ivan Uviedo, que pode ser um dos editores da revista. Ele me convidou para o número de outubro, o que acabou sendo algo melhor. Sair no número regular da revista é uma honra. Fiquei de entregar o conto até dia 10. Não sei exatamente o que quero escrever ainda, mas a história que mais me vem à mente é sobre a “criatura” que apareceu na estrada há uns meses atrás, acho que no interior do Ceará (se não, foi em algum outro lugar do nordeste, certeza) e que viralizou. Faz muito tempo que não escrevo terror. Lembro que comecei escrevendo terror porque considerei que seria um gênero fácil de criar. Exercitaria minha capacidade de descrição ao mesmo tempo em que treinaria a habilidade de fazer cenas de ação. Ou seja, usei o terror como cobaia para desenvolver minha escrita, acreditando que havia menor complexidade ali e que seria uma boa começar por um gênero menor. Isso tem mais de quinze anos. Lembro de ter buscado de início Conan Doyle e Stephen King. E logo nas primeiras leituras descobri que estava completamente enganado e que o terror não tem nada de pequeno. É tão ou mais complexo que qualquer outro gênero. E isso me fascinou tanto que até esqueci que embarquei ali com um péssimo julgamento e não demorou para que eu nem mais questionasse o fato de que eu não estava mais interessado em nada além de terror. Li tudo o que pude na época, comi Lovecraft, dancei com Bradbury, passava dias e dias lendo sobre fenômenos paranormais, criptozoologia, ocultismo, casos e aparições pretensamente reais de tudo que é marmota no mundo. Só muito depois resolvi retornar aos meus planos de tentar uma literatura “mais nobre” (claro que estou rindo de mim mesmo ao escrever isso, que idiota...). E isso tem muito a ver com o nascimento da Nena. Houve um dia em 2011, a mãe dela ainda estava no sexto mês de gravidez. Dormíamos no chão da casa da minha mãe porque ocorreu um alagamento de esgoto no quintal da nossa e não tínhamos dinheiro para alugar outro lugar. Eu tive um sonho terrível em que eu fazia uma pesquisa numa casa conhecida da minha rua. Quando chegava lá, a pessoa que nos recebeu mostrou coisas relacionadas a Maracatu, porque supostamente o antigo residente mexia com a tradição. Eu me deparei com um quadro na parede com a fotografia de ninguém menos que Aleister Crowley. Quando olhei nos olhos da figura, caí numa espécie de sonho dentro do sonho em que Crowley tentava me hipnotizar e me prender ali. Tentei acordar, mas quando saí da segunda camada de sonho e tentei voltar à realidade, caí em outro lugar intermediário. Eu sabia que estava sonhando, mas não conseguia acordar. Ouvia a voz de Crowley me dizendo coisas horríveis sobre entregar minha alma e em algum momento ele tomou a forma de uma pantera alada. Só consegui me libertar e acordar quando repetiu uma oração, que se não me engano era de São Bento. Desde de esse dia, passei a ler menos terror e a pesquisar menos sobre ocultismo, embora jamais tenha deixado de ler os meus autores favoritos.(...)

Então, um dia enquanto tentava assistir Hellraiser 2, percebi que lidar com o terror exige demais que você passe muito tempo na companhia de personagens e eventos terríveis. Você tem que construí-los em sua mente e ficar convivendo com eles por meses. A mesma morte inúmeras vezes, as mesmas maldições, as mesmas feridas, as criaturas tenebrosas...e minha vida já não estava fácil...então optei por explorar o mundo de outra forma. E nunca mais escrevi terror de novo. Agora tenho que voltar a fazer isso, o que é muito bom, estou feliz de poder fazer. Mas estou com medo. Aquele medo de errar. De ter perdido a mão. Do subtexto não ser tão forte. (...)


obs.: apenas joguei dois trechos do meu diário pessoal aqui...

sexta-feira, 5 de março de 2021

cinco.três.vinte e um

 Nena está parado de novo. O texto todo pronto. Fui para o Rio e cometi um erro gravíssimo. Tive a oportunidade de enviar a uma editora e não fiz. Esqueci. Com a viagem e todos os preparativos, a euforia de estar com a Giovanna...deixa passar um dia. Enviei um dia depois do prazo, mas estou sem esperanças de que resposta. Não sei o que fazer com minha escrita no momento. Passei mais de um mês afastado de tudo o que diz respeito a escrever e publicar. Perdi o ritmo de tudo e o que vivi no Rio me fez decidir ir embora para lá o mais rápido possível. Lá onde eu sou menos que ninguém. Onde não conheço ninguém e ninguém me conhece. Longe de tudo, num paraíso de bolsonaristas em que tudo é gigantesco e caótico. É necessário. Preciso estar com Giovanna e ela precisa de mim. E vou para lá começar uma vida toda do zero. Preciso chegar lá com um emprego engatilhado e para isso tenho que estudar. Para estudar preciso sacrificar o tempo de escrita. Esse  é o primeiro panorama de um momento muito difícil até maio, quando vou me adotar atitudes drásticas para tornar minha ida possível, abrindo passagem no meio da pandemia e dos lockdowns para me estabelecer num cenário de condições completamente adversar. Como fazer isso de uma forma serena? Queria que minha mente fosse toda serenidade. De fato, olho para tudo isso neste momento com relativa calma. Fico triste por não ter nada de escrita passando em minha mente agora e eu só conseguir pensar em ir embora. Não queria. Queria estar aqui em Fortaleza, a cidade que eu amo, para sempre e sempre. Desbravar outros lugares, conhecer tudo, mas ter minha casa aqui. Onde mora minha mãe, perto de meus amigos e da minha história. Mas a verdade é que já ando nos cantos com um gosto de saudade na boca. E fico ainda mais melancólico por não poder andar livremente por aí. É proibido me despedir do meu lar. Sabe-se lá quanto tempo levarei para retornar quando for. E nem posso me sentar numa praça e ficar olhando o tempo passar. Sim, vejo tudo o que está acontecendo e o que está por vir com uma certa calma traiçoeira. Não posso esconder de mim mesmo os sentimentos, não posso negar minha raiva, rancor, tristeza, ansiedade...não posso enganar a mim mesmo com meu semblante de calma no espelho. Tenho medo de me tornar de novo aquela panela de pressão desavisada e explodir quando achava estar tudo tranquilo. Vigilância da mente. Vigilância não. Essa palavra parece censura e já estamos por demais censurados, mal podemos respirar. Atenção. Atenção plena. Hoje os coaches venceram. Tudo bem. Deixa eu respirar...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

dezoito.um.vinte e um

Estou com uma tremenda dificuldade em começar uma estratégia de divulgação para Nena e As Nuvens. Não sei nem por onde começar. Minha mente está presa às estratégias da Vanessa e não consigo bolar um método que tenha mais a ver comigo. Na verdade, Instagram não tem nada a ver comigo, apesar de estar conseguindo colocar ali algumas coisas. O problema é que pensar em divulgação me suga tanto o pensamento que quebra minha criatividade e minha vontade de escrever. Minha mente trabalha mais para romper essas barreiras e dificuldades que acaba esquecendo de converter pensamentos em histórias. Tive um sonho magnífico. Um pesadelo formidável que eu deveria estar analisando para mim e era tão cheio de imagens incríveis e assustadoras que poderia parar num conto. Mas o que fiz foi faltar academia para sentar aqui e ficar olhando o computador pensando em como mostrar que um livro infantil vem aí e trazer à tona um possível interesse de leitores adultos. Tudo isso é necessário, eu sei. Mas acho que tinha de ser menos doloroso. O Cronôvoro é implacável e ele está com fome. Meu tempo some. Eu acordei ontem e já é hoje. E meu dinheiro do mês acabou. Eu sou escritor.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

doze.um.vinte e um

 Há mais de dez anos não abro meus exemplares de All-star Superman, clássico moderno das histórias do Homem de Aço escrita por Grant Morrisson com arte do Frank Quietly. Nessa história, em algum momento Superman precisa enfrentar um monstro chamado Cronôvoro. Lembro que o monstro e o nome me marcaram por causa da ideia, como muitas de Morrisson, que ficou em minha mente até hoje. O monstro, como o nome sugere, comia o tempo das coisas e das pessoas. Desde que retornei de Sobral sinto que estou na boca do Cronôvoro. Os dias somem com uma rapidez estúpida e por mais que esteja saindo e me relacionando com pessoas, trabalhando e lendo, organizando coisas do livro e me preparando para ir ao Rio ver Giovanna, parece que não estou fazendo nada. Isso porque escrever é a última coisa que consigo fazer e deveria ser a primeira. Por isso que estou aqui hoje, depois de quase dois meses longe até do diário. Rasgando a boca do monstro e forçando passagem através de tantas peripécias de adulto que me limitam na coisa que mais me dá força na vida. Muitas ideias surgem todos os dias e muita escrita ainda está em ebulição aqui dentro, mas me sinto afogado nessas coisas que me tomam atenção preciosa. Finalmente chegou o momento de dar um foda-se até pro trabalho e começar a bancar o escritor doido enclausurado no quarto, escrevendo noite e dia sem parar. Porque é assim que a coisa funciona pra mim. Não adianta eu querer seguir à risca conselhos de disciplina e organização do tempo, definir prioridades ou qualquer merda dessas. Eu não sou como a Vanessa ou como qualquer outro escritor que consegue manter aquela rotinazinha de determinar um tempo pra escrita e quando o despertador toca, é fechar o caderno e ir fazer a próxima coisa da lista. Se eu sento pra escrever eu não vou sequer comer até terminar o que estou fazendo. E eu preciso de um dia inteiro pra isso, talvez dois, talvez uma semana direto, sem parar. Minha cara fica toda peluda (com o que não ouso chamar de “barba”), meus lábios descascam e a casa vai se enchendo de poeira e uma pilha de pratos se ergue sobre a pia. Ela, Vanessa, falaria de mentalidade a ser modificada, mindset ou algo assim, mas é como me dá prazer e me impulsiona. Escrevi Nena e as Nuvens... em dois dias. Meus contos são assim, mesmo os maiores. E quando eu coloco qualquer outra coisa como prioridade de vida, a escrita some, porque eu preciso ir numa porra de banco ou num supermercado. Se eu não dou uma de doido e ignoro o mundo, a escrita não acontece. Não lembro como Superman mata o Cronôvoro em All-star. Mas eu quero só correr com minha máquina de escrever pra longe dele. Fugir para a colina.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

vinte e sete. onze. vinte

Crise. Daquelas que dá vontade de dar um passo na frente do que quer que te faça desaparecer da existência.

Mas não desapareci. Por hoje. Fiquei e fui obrigado a sorrir e adivinha: foi o que fiz. Saudade da minha filha. Tudo é por ela, cada esforço, cada respirar. Lembro de Saint-Exupéry em Terra dos Homens narrando a travessia de Guillaume perdido nos Andes, pensando o tempo todo que poderia simplesmente deitar e morrer, mas pensava nas pessoas amadas e resistia mais um dia. Terra dos Homens. Penso nela e caminho mais um dia.

É difícil acordar e atravessar todas as tarefas nesse estado. Lutando com gente maligna o tempo todo. Lutando por um sonho num caminho cheio de pedras. Sentindo saudades que machucam a cada respiração.

Eu acordo às 4h da manhã. O rádio me chama para fazer a manobra dos trens. Eu embarco no primeiro e ainda está escuro. Atravesso Sobral na cabine vendo os trilhos serem engolidos pela frente do trem. Chegamos ao final da linha na viagem de inspeção e na volta o sol começa a rasgar telhados. De volta ao Centro de Manutenção, que é minha casa por enquanto, tiro as botas, ponho o rádio do lado do travesseiro e espero me chamarem de novo para mais manobras. Entre intervalos de sono penso no que vou fazer quando estiver totalmente acordado. Trabalhar no livro infantil, escrever mais um conto, fazer algum post pro instagram, planejar algo que dê dinheiro de verdade porque o tempo está passando...

Totalmente acordado acabo me perdendo entre todas essas coisas ao longo do dia. E quando finalmente estou produzindo algo, o tempo passa rápido. Um almoço consome horas. A internet trucida os minutos comendo-os de um jeito tão voraz quanto um trem come trilhos na via. Falo com pessoas, tento acrescentar algo na jornada dos livros que estão nascendo de forma sôfrega no meu útero esquálido. Eles lutam pra viver. Como eu.

Há um mestrado profissional em artes. Há uma prova de Enfermagem pra fazer. Há uma mudança pra largar tudo aqui e estar finalmente perto da pessoa que mais amo no mundo.

Ponto. Ir além. As coisas se complicam para o pequeno escritor. Cliffhanger.

sábado, 21 de novembro de 2020

vinte e um. onze. vinte

Em Sobral desde domingo. Só agora consegui me sentar para fazer algo de escrita. Óbvio que não escrever (nem ler) por todo esse tempo foi algo que me torturou até aqui e a voz de tortura ecoava das entranhas dos meus labirintos de autossabotagem. A adaptação ao terrível horário da primeira manobra às 4h30 da manhã que me obriga a compensar o sono nos intervalos entre as demais manobras do turno. As constantes idas ao supermercado e ao Centro para me suprir de provisões, uma vez que o pátio de manutenção fica no extremo da cidade, longe de tudo, apesar do privilégio de ter um VLT passando a poucos metros do portão. O cansaço inicial por ter escolhido musculação como atividade física em lugar do ciclismo (não tenho como arranjar uma bike aqui) que gerou diversas dores e que me causa desânimo até na hora de caminhar até o banheiro. E por fim, a ausência de cadeiras e mesas que eu possa usar para escrever. Todas as que existem aqui são terríveis e acabam com meu pescoço. Esse último problema acabei de resolver, pelo menos parcialmente. Saí catando cada uma das cadeiras do saguão e fui comparando todas elas para verificar a inclinação do encosto e ver qual delas tem um ângulo mais confortável pra mim. Frescura? Aparentemente sim. Mas o fato é que um ângulo ruim de acento me causa terríveis crises de dor de cabeça por causa dos ligamentos do pescoço que me deixam fora de combate por muito tempo. Até eu começar a cuidar do problema do acento e sofria com dores que me levavam ao hospital para tomar Tramal na veia. Hoje eu preciso fazer essa triagem de acento onde quer que eu trabalhe, o que sempre é motivo de procrastinação, mas que hoje eu venci. E fiquei tão feliz por ter encontrado uma cadeira que me causasse menos dor que ao sentar aqui pra testá-la que desimbestei a escrever e esqueci de arrumar as outras que trouxe aqui pro quarto.

Estou com saudades de escrever em meu diário físico. Meu caderno de papel de verdade. Ele tem essa imagem do Buda meditando embaixo da árvore sagrada que a Paula Cabral do Maturim Estúdio desenhou pra mim baseada na imagem do Keanu Reeves no filme do Bernardo Bertolucci. Não trouxe pra cá porque não queria estragar essa capa que é linda. Gostaria de registrar coisas mais íntimas, principalmente sobre meus sonhos e sobre como eles influenciam e têm sido influenciados pelas escolhas que fiz ultimamente no mundo desperto. Sinto mais falta ainda da Igor, minha máquina de escrever. Maior parte do que tenho registrado lá no diário são coisas datilografadas que depois vou lá e colo.

Estou me sentindo feliz, exatamente neste momento, mesmo com dores nas costas e no corpo. Mesmo não estando escrevendo alguma história, mas apenas registrando a minha história que provavelmente ninguém vai ler. Estar escrevendo o que quer que seja é um ato de felicidade e uma âncora de realidade. Estou de frente para a janela do alojamento e são 14h15 de um raríssimo dia de céu parcialmente nublado em Sobral, em que não está tanto calor e o sol não cai sobre seu corpo como as verdadeiras chamas do inferno. Lá fora vejo o enorme pátio por onde o VLT 06 acabou de sair em manobra e ao longe a Meruoca está encoberta por uma fina névoa que a torna quase irreal, apesar de gigantesca. Isso me lembra a imagem do cortejo fúnebre de Morpheus vislumbrado como uma premonição pelos confinados na taverna no arco Fim dos Mundos. Os confinados veem primeiro a Morte passando em lágrimas como um colosso quase translúcido, enorme e silenciosa. Depois os outros irmãos gigantes passam com o caixão. Lembro também do meu conto preferido da Virginia chamado “A Montanha”. A protagonista está de férias numa região montanhosa, acho que nos Alpes, em pleno inverno. Ela senta à varanda do lugar onde está hospedada e escreve uma carta para a irmã. Ali, enquanto escreve, sendo atravessada por lembranças de alegrias, culpas, arrependimentos e esperanças, ela também se deixa levar pelo trajeto de um grupo de alpinistas que vê ao longe as escalar a montanha cheia de neve. De alguma forma as figuras dos homens minúsculos desafiando a absurda magnitude da montanha a move em sua escrita e se estabelece como um paralelo de sua própria vida. É, portanto, por motivos óbvios que esse é meu conto favorito.

E há muito o que fazer. Vanessa ainda nem sabe que pretendo de verdade ir à frente com o infantil antes de terminar o romance. Foi por autossabotagem que não falei nada com ela sobre isso ainda. Porque eu precisava ter feito as alterações que Efigênia apontou na leitura crítica (que ainda nem paguei, mas a culpa não foi minha. Mesmo.), também ter considerado as observações que a Nat muito generosamente fez como minha segunda leitora beta. Depois disso eu precisava ter ido atrás de pelo menos mais duas leituras beta e só então ter colocado todo esse esforço prévio diante de Vanessa e dizer :”Ok, como minha mentora, preciso que me ajude começando por me dizer se esse livro é possível ou não e o que devo fazer agora.” Coloquei todas essas tarefas antes de ir à Vanessa. Porque eu sei que vai partir dela a maior parte das críticas e depois que elas tiverem sido corrigidas ou discutidas (ou talvez antes disso), vão partir dela os maiores desafios e pressões. E é isso que meu cerebrozinho está tentando evitar. Porque se este livro for mesmo viável, eu vou ter que tirar meu rabinho desta cadeira que demorei tanto para escolher entre tantas outras e vou precisar me mexer para que esse livro chegue à mão do maior número de pessoas possível. E isso vai doer. Isso vai cansar. E isso vai me revirar do avesso.  


quinta-feira, 12 de novembro de 2020

doze.onze.vinte

 Viagem pra Sobral cada vez mais perto. E eu quero votar. A apreensão sobre a possibilidade de não conseguir trocar a passagem pra domingo fica consumindo meu pensamento. Onde está meu budismo nessas horas? A verdade é que essa coisa tão pequena consome também minha coragem de sentar e escrever. Tudo toma minha atenção. Já tem um tempo que decidi considerar o tempo em que trabalho em textos já escritos como tempo de escrita. Antes eu só considerava tempo de escrita aquele em que estou produzindo textos novos. Ainda faz sentido pra mim essa concepção. Mas o tempo em que tento atrair pessoas para meus textos é também tempo de escrita?

Ontem e hoje tive dois sonhos magníficos. Mas o de ontem só me vem como fragmentos que nem consigo descrever para analisar direito. É uma pena. Eu sei que foi um grande sonho. Estava na residência dessa mulher, minha Anima(?). Uma musa intelectual com um jardim cheio de livros e peças de arte e fizemos amor sobre uma mesa de seu jardim. Voltando pra casa, toda minha rua, todas as casas, tomadas por um incêndio cujas chamas queimavam até o chão. Mas eu não queimava. 

O de hoje foi sobre mudança. Eu e meu irmão pequenos sendo obrigados por meu pai a mudar de um quarto para outro da mesma casa em que acabamos de nos mudar. No primeiro tínhamos mais luz e a controlávamos, mesmo durante a noite. Era pequeno, mas aconchegante. O segundo tinha quase o mesmo desenho, mas a vista era limitada, dava para dentro da própria casa e não controlávamos a luz. Eu tentava consolar a mim mesmo e a meu irmão pela mudança. Tentava convencer a nós dois que a mudança tinha suas vantagens.  A interpretação é minha, dei um vislumbre na gravação que fiz (gravo meus sonhos assim que acordo). Fazer isso me ajuda a ligar os pontos, reconhecer símbolos e entender o que meu Self quer me dizer. Havia muito mais nesses sonhos. Estão todos comigo.

Eu deveria estar na reunião da viagem agora, mas foi adiada/cancelada. Não importa, eu já conheço o trabalho. Só quero o dinheiro. Se depositarem, ao inferno com a reunião. 

Realmente não estou conseguindo me concentrar em nada de escrita enquanto as questões dessa viagem não estiverem concluídas. Talvez eu devesse desencanar e simplesmente respirar até o momento em que estiver no alojamento do Pátio de Manutenção em Sobral, olhando pra Meruoca enquanto tomo meu café solúvel de péssima qualidade com meu casaco numa madrugada antes de pegar o trem, pensando na história que vou escrever depois que o expediente acabar. E enquanto isso assistir algo ou engatar a próxima leitura. Há muito o que fazer. Preciso fazer as alterações em "Nuvens Mágicas" que a Efigênia e a Nat me mandaram. Preciso falar algo sobre isso com a Vanessa. Não posso continuar sem uma palavra dela. Preciso trabalhar nos textos que quero disponibilizar no insta. Preciso trabalhar em mais um texto pro concurso Ideal do ano que vem. A lista de tarefas é enorme. 

Eu deveria me torturar tanto pelas redes sociais serem o único jeito que tenho de mostrar minhas coisas? Por ser um meio imposto e não uma opção? Eis um vilão terrível esse pensamento. Sinto que ser refém das redes pra existir é uma opção falsa, no sentido de parecer uma escolha, mas não ser. Como se meu algoz me dissesse: "Não fique triste. Você tem escolha sim! Duas, na verdade. Você pode escolher pular desse penhasco a dois passos ou pode levar um tiro que eu vou te dar se você não pular. E aí? O que você escolhe?". Dramático. Prazer, eu.

Bem, acho que eu já fiz a escolha. Só não admiti que já me joguei. Eu tenho a vista da queda desde o salto até alcançar o chão. A questão é apenas como aproveitar a vista, o vento e a sensação de voo. Chega de metáforas.

O que me incomoda nas redes é precisar produzir algo pensando numa resposta. Meter um filtro numa foto, passar horas fazendo um daqueles cartazinhos no Canvas pra ele simplesmente passar batido e levar uns likezinhos. O que é tudo isso afinal? Sísifo...

Tenho pensado há anos em escrever algo sobre uma conversa de...não sei, acho que era pelos idos de 1999 ou 2000. Estávamos na calçada do Rodrigo, era tarde da noite. Falávamos sobre como o ser humano paga por seus erros. Até parece que esse era o nível daquelas conversas sempre. Mas de vez em quando coisas assim saíam. O Rodrigo, como um católico típico defendia que uma pessoa que comete atrocidades paga na mesma moeda ainda em vida. Àquela época eu também era um um católico, lutando para acreditar em Deus e ter tanta convicção quanto o Rodrigo. E me surpreendi com a possibilidade a favor do absurdo que é a realidade, colocada pelo Nilton. "Eu acredito", disse ele, "que uma pessoa que cometeu as piores atrocidades pode passar impune pela vida e morrer tranquilamente, aos noventa anos em seu quarto enquanto dorme, sem sofrer nada". Imediatamente pensei em Hitler. Ele e outras atrozes figuras morreram de forma violenta e trágica. Mussolini, Rasputin, Kadafi e Hussein passaria por isso depois. Mas essas eram figuras extremas e cheias de ímpeto. Ao longo dos anos a lembrança dessa conversa continuou me perseguindo e fui refinando os exemplos possíveis. Passei a colocar na equação figuras mais sutis. Como morrerá o patrão que massacrou por décadas seus empregados por meio de vários abusos e explorações? (já tive patrões assim). Como morrerá o cara que abusou das filhas e esmagou a voz da esposa por toda uma vida e nunca foi exposto por ser um grande nome na sociedade? Como morrerá o médico do posto de saúde que jamais teve um pingo de empatia por seus pacientes e desde o primeiro momento os tratou como lixo e fez questão de que eles notassem isso e comprassem o pensamento de que realmente são lixo (existem médicos assim. Enfermeiros tb). Enfim, essas pessoas que passam pela vida, pelas nossas vidas sem estarem envolvidos com guerra e política, mas que têm alguma forma de poder e/ou dinheiro e seguem pisando nos outros num salve-se quem puder, desde que seja eu e não você. A fala do Nilton me marcou de modo a olhar pro mundo e pras maldades que são cometidas contra o próprio mundo, olhar pros seus autores e pensar: "Ele vai se safar dessa?"

E por todos esses anos venho pensando nessa história. Já desisti de martelar a fé cristã há anos e esse passo apenas engrossou a minha dúvida e alimentou minha vontade de escrever a respeito. O vilão que se salva sem mesmo perceber o quão era mal? O facínora que é inocentado e vive melhor que suas vítimas? 

Dias atrás me veio a vontade então de ligar de alguma forma esse pensamento com a máxima do ateísmo pragmático: "Se existe inferno, existe céu". Estou meio obcecado com a vontade de ligar essas duas coisas numa história. (acabei de ter um dejá vu...). Não sei exatamente como nem quanto tempo vou levar até que a ideia surja (ou que eu sente para forçá-la a surgir), mas sei que vou escrever no formato de um conto de cinco laudas como é padrão dos prêmios e concursos.