sexta-feira, 27 de novembro de 2020

vinte e sete. onze. vinte

Crise. Daquelas que dá vontade de dar um passo na frente do que quer que te faça desaparecer da existência.

Mas não desapareci. Por hoje. Fiquei e fui obrigado a sorrir e adivinha: foi o que fiz. Saudade da minha filha. Tudo é por ela, cada esforço, cada respirar. Lembro de Saint-Exupéry em Terra dos Homens narrando a travessia de Guillaume perdido nos Andes, pensando o tempo todo que poderia simplesmente deitar e morrer, mas pensava nas pessoas amadas e resistia mais um dia. Terra dos Homens. Penso nela e caminho mais um dia.

É difícil acordar e atravessar todas as tarefas nesse estado. Lutando com gente maligna o tempo todo. Lutando por um sonho num caminho cheio de pedras. Sentindo saudades que machucam a cada respiração.

Eu acordo às 4h da manhã. O rádio me chama para fazer a manobra dos trens. Eu embarco no primeiro e ainda está escuro. Atravesso Sobral na cabine vendo os trilhos serem engolidos pela frente do trem. Chegamos ao final da linha na viagem de inspeção e na volta o sol começa a rasgar telhados. De volta ao Centro de Manutenção, que é minha casa por enquanto, tiro as botas, ponho o rádio do lado do travesseiro e espero me chamarem de novo para mais manobras. Entre intervalos de sono penso no que vou fazer quando estiver totalmente acordado. Trabalhar no livro infantil, escrever mais um conto, fazer algum post pro instagram, planejar algo que dê dinheiro de verdade porque o tempo está passando...

Totalmente acordado acabo me perdendo entre todas essas coisas ao longo do dia. E quando finalmente estou produzindo algo, o tempo passa rápido. Um almoço consome horas. A internet trucida os minutos comendo-os de um jeito tão voraz quanto um trem come trilhos na via. Falo com pessoas, tento acrescentar algo na jornada dos livros que estão nascendo de forma sôfrega no meu útero esquálido. Eles lutam pra viver. Como eu.

Há um mestrado profissional em artes. Há uma prova de Enfermagem pra fazer. Há uma mudança pra largar tudo aqui e estar finalmente perto da pessoa que mais amo no mundo.

Ponto. Ir além. As coisas se complicam para o pequeno escritor. Cliffhanger.

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